(Breve comentário de Lucas Laurentino, UFRJ)
A percepção sensorial do mundo em volta e a relação entre os acontecimentos exteriores e os estados de espírito do sujeito não raro foram abordados por poetas ao longo do tempo. Por vezes esta relação se mostrou harmônica, com o ambiente calmo e ameno respondendo à disposição do poeta de encontrar um equilíbrio de sentimentos, e em outras ela se revelou tensa, com a aparente calma externa sugerindo uma indiferença da Natureza às questões humanas mais profundas. Exemplo disto é o famoso soneto camoniano “O céu, a terra, o vento sossegado”, no qual o ambiente silencioso e pacífico não responde ao sofrimento do pescador que perdeu a sua amada. Em outro ponto estão os poemas que compõem a “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa, marcados pela intersecção entre o dentro e o fora, o eu e o outro, o mar e a terra.
Outra chuva, no entanto, é aqui cantada. Jorge de Sena, que não se furtou a escrever sobre as suas circunstâncias imediatas (vide “Os Paraísos Artificiais”) nos mostra em um poema intitulado “A Chuva Torna” (de Fidelidade) o progressivo diálogo entre um dado natural, a chuva (não aquela que vem, mas sim a que tinha ido e agora volta, trazendo consigo algo mais), e uma disposição do sujeito que se põe a ouvi-la: “se apurar o ouvido, eu ouvirei contínua/ e vertical na noite calma que só ela/ corta.” Este eu-poético aproxima-se da chuva no seu cortar — “Também em mim, como na noite, corta/ alguma coisa.” — e pouco a pouco o pingar se torna constante, conduzindo o fundo sonoro à fusão simultânea com as reflexões do eu.
Ouçamos agora este belo poema na voz de Hugo Cunha.