(Breve comentários de Lucas Laurentino, UFRJ)
A temática amorosa em Jorge de Sena, ainda que seja recorrente, é sempre múltipla e diversa, procurando expressar as várias formas de experienciar o amor e sobre elas refletir. De poemas mais meditativos passamos àqueles mais corpo-a-corpo, marcados pela presença de um nítido tu, destinatário da voz poética. Destes, podemos destacar “Como queiras, Amor, como tu queiras” (de Post-Scriptum), já antes comentado, “Conheço o sal…” (de Conheço o sal… e outros poemas) e, do mesmo livro, o que agora apresentamos: “Tu és a terra…”
Com quatro quartetos em versos brancos e de métrica irregular (rondando o decassílabo), o poema já se inicia com uma declaração aberta: “Tu és a terra em que pouso”. Um tu-lugar definido, a explorar e ampliar. Esta terra não se resume à analogia com o corpo da pessoa amada, mas estende-se à própria relação construída com ele e sem ele. Assim é que os símiles ondulam desde a terra “macia, suave, terna e dura” até a pedra que machuca: “contra que nas arestas me lacero e firo/ mas de musgo coberta refrescando/ as próprias chagas de existir contigo.” Esta terra não é só fragmento, ou mera paisagem, mas uma vivência ampla da natureza, que a pedra, a árvore, as flores e frutos, a água cristalina sintetizam. “não Madre Terra, nem raptada ninfa/ de bosques e montanhas”. A pessoa amada não é mito nem deusa, mas “Terra humana”, carregada de toda a humanidade que atrai o sujeito poético. Assim, as imagens convocadas não servem para pintar uma possível Musa, um ser decorativo cuja função seria inspirar versos, mas conduzem à concretude de uma relação com alguém de carne e osso, relação que humanamente oscila entre o prazer e a dor, a pedra que lacera e o musgo que refresca.
Dessa maneira, o poema é uma declaração de amor maduro, em que não só o desejo erótico está presente, como também a confiança, a convivência, a segurança. A terra em que se pousa é um espaço de certeza, que não descarta a descoberta; é signo do constante retorno a um universo humano ao qual se está emocionalmente ligado.
E se contrapomos este poema de amor ao nitidamente político “Os Paraísos Artificiais” (de Pedra Filosofal), a noção de terra, por contraste, melhor se define.
Neste último, temos um igualmente marcante primeiro verso: “Na minha terra, não há terra, há ruas;”. É esta terra sem terra que não é inefável, porque, mesmo podendo ser dita, não há o que dizer sobre ela, que abriga uma inefável vida censurada. Aqui, a terra natal é caracterizada pela ausência, pelo sentido de distância, de exílio, uma terra de partida, ao passo que, no poema anterior, a terra-pessoa-amada, esse “tu” absoluto, é a terra da chegada e de pouso garantidos, abrigando em segurança e em confiança o eu desterrado. Não é a Madre Terra, como Pátria, que merece ser louvada, mas sim a terra humana, sempre íntegra na sua (ainda que frágil) humanidade.
Ouçamos o poema na voz de seu autor: